sábado, 16 de agosto de 2008

Marcada para morrer

Tenho 28 anos, sou casada e não tenho filho. E todos os dias alguém tenta me matar. Vejam bem, não estou exagerando. São os fatos. Sou uma mulher marcada para morrer. Sofro dois, três atentados por dia. Em geral acontecem de noite, quando vou buscar meu marido. Mas, também já escapei da morte em plena luz do dia. Faz quase dez anos que vivo assim, mas a situação tem se agravado nos últimos tempos.

Há pouco passei por uma situação típica. Virei numa rua de sentido único que tem apenas uma pista e lá estava meu algoz, num Volkswagen Fox preto, andando a toda na contramão. Mas, já sou escolada e escapei da ameaça pisando no freio e apertando a buzina. É sempre bom atrair a atenção de testemunhas.

Outro dia topei com um Fiat Palio Weekend entrando na contramão na rua Reinaldino S. de Quadros, Alto da XV. A Senhora Morte desistiu de mim quando me viu executar algumas manobras evasivas (desviar, frear, rezar um Pai Nosso) e disfarçou o ataque embicando o carro no portão de uma das casas daquela quadra.

Outra situação comum: venho tranquila numa grande avenida. O sinal está verde para mim. Estou com os faróis ligados, atenta aos cruzamentos. E lá está o matador profissional, cruzando o sinal vermelho a toda, vindo sedento em minha direção. Como já conheço a tática, escapo da morte reduzindo a velocidade.

Não sou paranóica. Mas, essa é a única justificativa lógica que consigo encontrar. Essas pessoas são pagas para me matar. Pensem bem, quem em sã consciência iria entrar na contramão a 60 km/h numa rua de mão única, só com uma pista e com o acostamento lotado de carros estacionados? Só alguém com um propósito muito bem definido. Me matar, por exemplo.

Eu me recuso a imaginar que alguém, como a moça da Palio Weekend, simplesmente coloque em perigo a própria vida (e a minha) só para se poupar de dar uma volta na quadra e entrar na rua na mão certa. Ou que alguém esteja com tanta pressa, mas com tanta pressa que tenha que passar por cima do meu carrinho para chegar aonde quer que seja.

Sigo essa minha vida de sobrevivente. Vivo um dia de cada vez. Criei minhas técnicas próprias para escapar da morte. Acho que até já desenvolvi um sexto sentido. Espero poder contar com ele, uma vez que não dá para contar com os agentes de trânsito.

Publicado na Folha de Londrina em 4 de junho de 2008

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